[1] Professor no IFTSC e na PUC-Goiás
FILOSOFIA DE LEIBNIZ (II): OS FUNDAMENTOS DA MONADOLOGIA
Publicado 24 de abril de 2012 r
Autores Renomados , Filosofia , Filosofia Moderna , Metafísica
Tags:alma humana, Antônio Resende, Deus, Leibniz, matéria, mônada, Razão, razão suficiente
Continuação do texto “
Filosofia de Leibniz (I)“
1. Leibniz elabor
a
uma noção dinâmica do ser e rompe com a concepção mecanicista de
Descartes que formula uma teoria geométrica e mecânica dos corpos. Ele
explica os seres não como maquinas que se movem, mas como forças vivas.
2. Uma forma de acesso à compreensão de sua obra pode ser a partir de
determinadas doutrinas lógicas por ele apresentadas, ou, por outra via,
pode-se iniciar pela idéia de mônada. A
Mônada é uma substância. Em
Os Princípios da Filosofia ou a Monadologia, afirma o referido filósofo, que “A
Mônada de que aqui falaremos não é outra coisa senão uma substância simples, que entra nos compostos;
simples quer dizer sem partes.
Teodicéia, § 10” (§ 1, p. 131).
Mônada é uma unidade elementar única, indivisível. Tem um certo número de propriedades, mas, por ser simples, não tem partes.
Diz Leibniz, tudo que é complexo é formado pelo simples, e as
componentes simples últimas do complexo são os verdadeiros constituintes
do mundo, enquanto os complexos são simplesmente produtos secundários
da agregação dos simples. Com efeito, tudo o que ocupa espaço tem
extensão e é, portanto, divisível e, por conseguinte, complexo.
Portanto, as componentes últimas do mundo têm de não ter extensão e,
porque não a têm, não são materiais. Por conseguinte, o mundo real é
constituído por uma infinidade de pontos metafísicos; e como estes itens
sem extensão e indivisíveis não são materiais, têm de ser mentais.
Assim, o mundo consiste numa infinidade de itens espirituais que são
como pontos ou, como muitos denominam, e às vezes o próprio Leibniz o
diz, uma infinidade de almas, tudo, desde a mais importante delas, Deus,
de quem tudo o resto depende, até a alma humana, que é a mônada
particular que nos dá em primeiro lugar a idéia de substância, até os
constituintes últimos do que, confusamente, concebemos como matéria.
3. Noção fundamental da metafísica de Leibniz: a matéria é
essencialmente atividade, bem como, o universo é composto por unidades
de força, as mônadas. Ele chega à noção de mônada mediante a experiência
interior que cada indivíduo tem de si mesmo e que o revela como uma
substancia ao mesmo tempo una e indivisível.
Tudo o que existe de complexo no mundo deve ser analisável em
elementos mais simples. Se os elementos mais simples forem à mesma
complexos, então têm de ser também analisáveis. Assim, acabaremos por
chegar a elementos absolutamente simples que já não são analisáveis, os
quais são os constituintes últimos do mundo.
Todavia, estes não podem ser materiais, porque parte da própria
definição de matéria dizer que ela é algo dotado de extensão, e a
extensão é, por definição, subdivisível. Obviamente, aquilo que já não é
divisível não pode ser subdivisível. Assim, os constituintes últimos do
mundo têm de ser não materiais e não podem ocupar espaço.
As mônadas têm consciência? Parece-nos que a resposta de Leibniz é
afirmativa. Leibniz pressupunha que estes pontos últimos ou mônadas eram
espíritos. Sabe-se que ele aceitava inquestionavelmente o princípio de
Descartes de que tudo o que existe ou ocupa espaço ou é consciente
(alma/intelecto).
No entanto, note-se que ao sustentar que as mônadas eram conscientes,
Leibniz não foi ao ponto de supor que fossem universalmente
autoconscientes. Pensava que as mônadas tinham percepções, tinham
consciência de outras coisas para além delas próprias. Mas não afirma
que as mesmas eram capazes de apercepção, isto é, a capacidade que uma
consciência pode ter de estar consciente das coisas fora dela própria.
A realidade é constituída de “centros de força”, ou seja, centros de
atividade, pontos ou átomos físicos e imateriais. Esses centros de força
são “substâncias simples”, ou
mônadas. Também denominou
enteléquias para indicar a perfeição intrínseca que possuem.
Curioso notar que uma das teorias fundamentais da física do séc. XX
diz que toda a matéria é redutível a energia, ou seja, que a energia é o
constituinte último do universo físico. Pode-se considerar a acepção de
Leibniz próximo desta idéia? Parece-nos que sim, uma vez que ele
afirmava que toda a matéria era constituída por propensões para a
atividade que não são em si próprias materiais.
Necessário se faz ponderar que no séc. XVII, o único vocabulário de
que as pessoas dispunham para falar de centros não materiais de
atividade era um rol conceitual composto de denominações como espírito,
alma, mente etc., como os utilizados por Leibniz.
Neste cabedal conceitual contemporâneo do filósofo, admitia-se que a
natureza consistia em matéria em movimento, e que o movimento não era
intrínseco à própria matéria, mas tinha de ser comunicado ao mundo
material a partir de uma fonte exterior. Leibniz não defendia esse
pressuposto. Defendia que o movimento, ou a energia, ou a
atividade, que é talvez o termo genérico mais adequado, é intrínseca aos constituintes últimos do mundo.
Influenciou os filósofos Frege e Russell, com a definição de que
todas as proposições são verdadeiras (V) ou falsas (F). Proposições
analíticas são verdades de razão; proposições sintéticas são verdades de
fato. As verdades de razão são finitas e infinitas.
Existência. Propriedade da existência. 1) Só deus existe
necessariamente; 2) a existência de tudo o mais depende de Deus optar
por atribuir existência a essa coisa possível; 3) há infinitamente
muitos indivíduos possíveis, coisas cujas noções completas são
intrinsecamente coerentes.
Deus – há uma existência de sistemas possíveis – escolhe o melhor
para criar. Deus contempla o inventário infindável de mundos possíveis,
de sistemas possíveis de coisas que são coerentes umas com as outras e
então, por ser perfeito, escolhe o melhor, isto é, o melhor dos mundos
possíveis.
Tal escolha, não ocorre conforme o ponto de vista humano, prático,
emocional, mas escolhe um modo mais abstrato e metafísico, ou seja, o
mundo possível no qual há, grosso modo, a maior quantidade de
existência.
Teoria da harmonia preestabelecida.
Razão necessária/conhecimento necessário.
Princípio da razão suficiente.
Se a nós nos parece que as coisas estão casualmente
inter-relacionadas, é porque todo o cosmos é, desde o princípio e ao
longo de sua história, a criação unitária de Deus, e as interconexões
aparentes não são encadeamentos causais, mas uma harmonia
preestabelecida que deriva desse fato.
Problema da liberdade da vontade. E o livre arbítrio existe? E o mal?
Como explicar o problema do mal no mundo? Deus cria o mundo equipado.
Cada indivíduo autodetermina-se perfeitamente. A pessoa age por
consciência e autoconsciência, ou ao arrepio de sua verdadeira natureza?
Segundo Leibniz, Deus cria todas as outras mônadas que constituem o
mundo e as equipa com uma natureza intrínseca, isto é, única em cada
caso, que determina tudo o que fazem subsequentemente. Em outros termos,
tudo o que acontece é preparado por Deus. A conexão causal aparente
acaba por ser tão-só um qualquer tipo de correspondência ou paralelismo
entre o que acontece numa coisa e o que acontece na outra.
Para a concepção de mundo de Leibniz, a força que determina cada
indivíduo, uma vez desencadeada por Deus, é a natureza com que Deus
equipou esse indivíduo. Neste sentido, no âmbito da liberdade, cada
indivíduo autodetermina-se perfeitamente.
Philosophia perennis = plano do finalismo filosófico;
pilosophi novis = âmbito especificamente científico/plano do mecanicismo científico.
Para Leibniz, extensão e movimento, figura e número são apenas
determinações extrínsecas da realidade, que não vão além do plano da
aparência, ou seja, do fenômeno. Prelecionam Reale & Antiseri,
A extensão (a
res extensa cartesiana) não pode ser a
essência dos corpos, porque por si mesma não basta para explicar todas
as propriedades corpóreas. Por exemplo, como mostra Leibniz, não explica
a inércia, ou seja, a relativa
resistência que o corpo opõe ao
movimento, a ponto de ser necessária uma “força” para desencadear tal
movimento. O que significa que existe algo que está
além da extensão e do movimento, que não é de natureza puramente geométrico-mecânica e, portanto, física, sendo assim de natureza
metafísica, que é precisamente a “força”. É dessa força que derivam tanto o movimento como a extensão.
Cada mônada é diferente da outra (
Os Princípios da Filosofia ou Monadologia,
§ 9). Todo ser criado está sujeito a mudança, e, por conseguinte, a
mônada criada também (idem, § 10). A mudança ocorre por um
princípio interno, já que uma causa externa não poderia influir em seu interior (Teodicéia, §§ 396 e 400,
in Os Princípios da Filosofia ou Monadologia, § 11).
4. Caracterização das mônadas:
a)
Percepção: pela percepção as mônadas representam as coisas do universo; cada um de
per si espelha o universo todo;
b) A
apercepção é a capacidade que a mônada
espiritual tem de auto representar-se, isto é, de refletir; a mônada é
consciência ou percepção consciente;
c) A
apetição consiste na tendência de cada mônada de fugir da dor e desejar o prazer, passando de uma percepção para outra.
5. Há dois tipos de inconscientes: o inconsciente de percepção,
próprio das simples mônadas enquanto são apenas “espelhos do universo”, e
o inconsciente de imitação, pertencente apenas aos espíritos enquanto
não são apenas espelhos, mas espelhos dotados de reflexão.
6. A razão dessa diferença encontra-se no fato de que as mônadas não possuem o mesmo grau de perfeição, como se segue:
a) no grau mais alto estão as “mônadas racionais”, com consciência e vontade;
b) depois as “mônadas sensitivas”, que são os animais dotados de apercepções e desejos;
c) por último, as “mônadas nuas”, corpos brutos que só têm percepções inconscientes e apetições cegas.
O melhor dos mundos possíveis e a harmonia preestabelecida
- O universo compreendido como um todo, harmônico.
- Relação com o modelo estoico: o universo é concebido à semelhança de
um organismo pleno, cujas partes convivem numa harmonia natural e onde
tudo é análogo a tudo.
- Há uma harmonia preestabelecida, uma vez que os atos de cada mônada
foram antecipadamente regulados de modo a estarem adequados aos atos de
todas as outras. Isto ocorre no instante da criação. Deus a realiza
desse modo.
- Deus escolhe o melhor dos mundos dentre todos aqueles que se apresentam como possíveis.
O homem e o seu destino
- Como explicar a presença do mal no mundo?
- E o livre arbítrio existe ou toda ação humana já está preestabelecida?
- O mal se manifesta de três modos: metafísico, físico e moral.
- Metafísico: é a fonte do mal moral, e deste ocorre o
mal físico. O mal metafísico é a imperfeição inerente à própria
essência da criatura, pois se ela fosse perfeita, seria o próprio Deus.
- Mal moral: surge da relação da imperfeição da
criatura e sua possibilidade de contemplar o Bem. A sujeição ao erro
próprio da limitação da criatura.
- Mal físico: uma consequência física da limitação original e uma consequência ética, donde decorre a punição do pecado.
Os pontos básicos da metafísica monadológica:
- A natureza das mônadas como “força representativa”
- Cada mônada representa o universo e é como um microcosmos
- O princípio da identidade dos indiscerníveis
- As leis da continuidade e seu significado metafísico
- A criação das mônadas e a sua indestrutibilidade
As mônadas e a constituição do universo:
- Explicação da materialidade e corporeidade das mônadas
- Explicação da constituição dos organismos animais
- A diferença entre as mônadas espirituais e as outras mônadas
A harmonia preestabelecida
Deus e o melhor dos mundos possíveis (o otimismo leibniziano)
As verdades de razão, as verdades de fato e o princípio da razão suficiente
A doutrina do conhecimento: o inatismo virtual ou a nova forma de “reminiscência”
O homem e o seu destino.
Princípios constitutivos da razão humana, segundo Leibniz:
- Princípio do melhor (Deus cria o melhor dos mundos possíveis).
- Princípio de não contradição (A é A e não pode ser não-A).
- Princípio da razão suficiente.
- Princípio ou Lei da continuidade.
- Princípio dos indiscerníveis.
Todos estes princípios são inatos, isto é, emanam da própria razão humana e a validade dos mesmos não depende da experiência.
A experiência só fornece a ocasião para o conhecimento dos princípios inatos do intelecto.
[1] Professor no IFTSC e na PUC-Goiás