quinta-feira, 5 de maio de 2011

Cultura, Ethos e a Ética

Este texto é uma abordagem que levanta questões referentes a diversidade e a unidade na ética.
Por Ivan Luís Schwengber


Baseado no texto de Nilo Agostini. Ética e Evangelização: A dinâmica da integração na recriação da moral. Petropolis, RJ, 1993

As culturas são produto de uma época, estão inseridas em um espaço e tempo. A partir das culturas desenvolvem-se regras e valores. Se partirmos de uma fundamentação cultural para pensar a ética chegamos ao pressuposto de que o certo e errado de cada sociedade e povo é de acordo com sua cultura. Isto por si só nos causa um mal estar prévio e indigerível, o de que tudo é relativo . O que é inevitável é que o certo e o errado estão marcados profundamente pelas circunstâncias espaço-temporal. O que caberia perguntar é que se este profundamente é fundamentalmente ou não: se o certo e o errado são fundamentados na cultura.

Partiremos do fenômeno de que o certo e o errado de cada povo se manifestam diversamente em povos e culturas diferentes.

O estudo do certo e o errado nas diferentes culturas chamaremos de Ethos. Ethos é o aspecto moral das diferentes culturas , haja vista que o conceito de cultura é demasiadamente amplo para o tratamento filosófica do aspecto ético, pois incluí todas as realizações de um povo sejam materiais ou intelectuais, então para restringir o aspecto cultural que nos interessa neste texto, chamaremos de ethos.

O Ethos é o caráter de um povo, um modo de ser, a Etologia era segundo Wundt, o estudo das manifestações históricas dos costumes e da moralidade, . A partir do Ethos é possível buscar um alicerce das origens das normas nas diferentes culturas. Cada ser humano em sua existência é obrigado a se organizar, desafiado a selecionar as melhores respostas frentes aos desafios. O conjunto destas respostas selecionadas por um povo caracteriza o modo de habitar de morar no mundo.

Esta forma de morar no mundo caracteriza a moral e as normas comuns. O Ethos é manifestado de forma inconsciente e hereditária, pré-disposta ao jeito das pessoas, são anexada e corrigida em novas experiências sócio-culturais. Onde não compreendemos muitas vezes o significado imediato da ação moral. Assim quando fizemos algo errado imediatamente salta-nos um sentimento de remorso ou arrependimento, muitas vezes não temos claro o porquê de determinada ação causar-nos algum tipo de sentimento negativo.

Obviamente que o ethos de uma sociedade não é estático, mas está em constante mudança em termos de adaptações a partir de intercâmbios sociais. Existem fenômenos e fatos morais em determinada sociedade que fazem surgir adaptações e compreensões de determinadas circunstâncias morais que anteriormente não havia. Isto significa que a experiência provoca novas compreensões da realidade. Um exemplo clássico disso seria a lei de habeas corpus, em que antigamente era legitimado torturar até a morte um suspeito o que hoje não é legitimamente (oficialmente) aceita, apesar de no senso comum em frente a crimes hediondos as pessoas em círculos cotianos defenderem enfaticamente o seu uso.

O ethos é a objetivação fenomênica da moral (que por vezes cai no moralismo ). Porém ethos e ética são conceitos diferentes. Ética é um conceito de ordem racional, que reflete sobre os fenômenos morais, já o ethos é a manifestação da moral em termos sociais e espontâneos – até inconscientes.

A partir do ethos têm-se geradores sociais da moral – fundamenta sócio-culturalmente a moral. Há uma identificação do sujeito com sua cultura: quando emitimos juízos de valor similares as pessoas de nossa cultura, sem ter qualquer fundamentação ética para isso. Em outras palavras sujeitos diferentes consideram certo ou errado de forma parecida, sem ter qualquer justificação racional para isso.

Na verdade o ethos é o que permite discutir efetivamente leis jurídicas, normas morais e sociais na prática, mesmo sem nunca ter lido leis e refletido sobre elas.

Como é possível captar o ethos? Não é possível ter acesso ao ethos meramente com o intelecto, mas indo além das evidências. É a partir da fundamentação valorativa e normativa de um grupo. É necessário ir além da historicidade das manifestações de grupos, buscando captar o ser. Essa captação do ser se dá dialeticamente. A dialética permite captar o ethos não como algo estático – “é”; mas com dinâmico, sempre um renovado “vir a se”/ “poder ser”.

Essa dialética se dá através do diálogo com o outro, o “face a face”, uma negação da totalidade firmando a finitude. É nas manifestações espontâneas, nas relações simples entre sujeitos que o ethos aflora. Neste vasculhar de relações cotidianas percebe-se o ethos de um povo, num saber que brota de experiências fecundas. Nas relações valorativas e normativas que permeiam contextos sociais, políticos e culturais. Neste certo e errado espontaneamente aceito, mas somente identificado a luz de uma compreensão mais profunda. Os provérbios são um bom exemplo de ethos manifestado.

Ética, Moral e Ethos.

A moral e ética são etimologicamente similares, porém a moral se refere mais as regras e costumes que orientam o agir humano, a consciência individual; ao passo que a ética busca fundamentar teoricamente a moral. Porém o termo moral também foi historicamente usado como conjuntos doutrinário de regras, como a moral cristã, por exemplo; e neste sentido moral estava ligado ao domínio e ao poder estabelecido. Enquanto que a ética surge como uma reflexão sobre a moral, e por vezes é uma tentativa de buscar uma nova moral para reagir ao domínio estabelecido.

O ethos é o substrato da ética. É a manifestação coletiva e espontânea da ética, comportando valores e contra-valores de uma sociedade. O Ethos necessita de um discernimento e depurativo reflexivo sendo ingênuo e não autocrítico, podendo servir como forma de subjugação das pessoas. O ethos está ligado umbilicalmente a moral, sua codificação de regras e por isso pode servir para manutenção do poder.

A moral conectada ao ethos produz “cegueira ideológica” e absolutização do relativismo, justificando discriminações, preconceitos e domínio de outras pessoas e outras culturas. O embotamento moral é evitado quando se recupera o dinamismo metafísico experienciando a alteridade. A alteridade é compreensão da diversidade e da multiplicidade na relação com o outro, em oposição a identidade e unidade.

Resultado desta corrente é não temer da diversidade e multiplicidade.

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