domingo, 20 de maio de 2012

manuscrito de Platão


1. A alegoria da Caverna


            A filosofia platônica tem a preocupação política, quer formar jovens que possam atuar como político, em sua Academia, não era qualquer um que era aceito, Platão acreditava que os homens nasciam diferentes, e somente os com alma dotada de tais possibilidades poderia ser aceitos.
            Platão tem dois problemas básicos que quer resolver com a sua filosofia. Por um lado a tradição pré-socrática não tinha dado uma resposta satisfatória para o problema do movimento, e em segundo lugar teria que levar em conta os ensinamentos antropológicos do seu mestre, que era o conhecimento que levaria ao bem. Ou seja, explicar porque as coisas fluem e de outro permanecessem estáticas.
Platão era dualista, defendia que o mundo era dividido em mundo das idéias de onde a alma fazia parte e mundo sensível de onde os objetos faziam parte.
Vejamos:
“.... representa da seguinte forma o estado de natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens em morada subterrânea, em forma de caverna, que tenha em toda a largura uma entranha aberta para a luz; estes homens aí se encontram deste a infância, com as pernas e o pescoço acorrentados, de sorte que não podem mexer-se nem ver alhures exceto diante deles, pois a corrente os impede de virar a cabeça; a luz lhes vem de um fogo acesso sobre uma eminência, ao longe atrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa um caminho elevado; imagina que ao longo deste caminho, ergue-se um pequeno muro, semelhante aos tabiques que os exibidores de fantoches erigem à frente deles e por cima dos quês exibem suas maravilhas.
(...)
Figura, agora, ao longo deste pequeno muro homens a transportar objetos de todo gênero, que ultrapassam o muro, bem como estatuetas de homens e animais de pedra, de maneira e de toda espécie de matéria; naturalmente, entre estes portadores, uns falam e outros se calam.
(...) um estranho quadro e estranhos prisioneiros!
(...)
Considera agora, o que lhes sobrevirá naturalmente se forme libertos das cadeias e curados da ignorância. Que se separe um desses prisioneiros, que o forcem a se levantar imediatamente, a volver o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos à luz: ao efetuar todos esses movimentos sofrerá, o ofuscamento o impedirá de distinguir os objetos cuja sombra enxergava há pouco. O que achas, pois, que ele responderá se alguém lhe vier dizer eu tudo quanto vira até então era apenas vãos fantasmas, mas que presentemente, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê de maneira mais justa? Não crês que ficará embaraçado e que as sombras que via a pouco lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que ora são mostrados?
(...)
E se o forçam a fitar a própria luz, não ficarão seus olhos feridos? Não tirará dela a vista, para retornar às coisas que pode olhar, e não crerá que estas são realmente mais distintas do que as outras que lhe são mostradas?
(...)
Necessitará, pensa, o hábito para ver os objetos da região superior. Primeiro distinguirá mais facilmente as sombras, depois as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas, a seguir os próprios objetos. Após isso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e a lua, contemplar mais facilmente durante a noite os corpos celestes e o céu mesmo, do que durante o dia o sol e sua luz.
(...)
Por fim, imagino, há de ser o sol, não sua vãs imagens refletidas nas águas ou em qualquer outro local, mas o próprio sol em seu verdadeiro lugar, que ele poderá ver e contemplar tal como é.
(...)
Imagine ainda que este homem torne a descer à caverna e vá sentar-se em seu antigo lugar, não terá ele os olhos cegados pelas trevas, ao vir subitamente o pleno sol?
(...)
E se, para julgar estas sombras, tiver que entrar de novo em competição, com os cativos que não abandonaram as correntes, no momento em que ainda está com a visa confusa e antes que seus olhos se tenham reacostumado (...), não provocará riso à própria custa e não dirão eles que, tendo ido para cima, voltou com a visa arruinada, de sorte que não vale mesmo a pena tentar subir até lá. (...)
(...)
Cumpre aplicar ponto por ponto esta imagem ao que dissemos mais acima, comparar o mundo que a vista nos revela à morada da prisão e a luz do fogo que a ilumina ao poder do sol. No que se refere à subida à região superior e à contemplação de seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma ao lugar inteligível (...) tal é minha opinião: o mundo inteligível, a idéia do bem é percebida por último e a custo, mas não se pode percebê-la sem concluir que é a causa de tudo quanto há de direto e belo em todas as coisas, que ela engendrou, no mundo visível, a luz e o soberano da luz; que, no mundo inteligível, ela é própria é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e que é preciso vê-la para conduzir-se com sabedoria na vida particular e na vida pública.
(...)
A educação é, portanto, a arte que se propõe este fim, a conversão da alma, e que procura os mies mais fáceis e mais eficazes de operá-la, ela não consiste em dar a vista ao órgão da alma, pois que este já o possui; mas como ele está mal disposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça por leva-lo à boa direção” (A republica, Platão, in Andery, p. 71-13).

 

2. O conhecimento


Platão não buscava as verdades essências da forma física como buscavam Demócrito e seus seguidores, sob influência de Sócrates buscava a verdade de forma contemplativa, isto significa, buscar a verdade no interior do próprio homem. Porém o próprio homem não é meramente subjetivo, mas como um participante das verdades essenciais do ser.
Platão assim como seu mestre Sócrates busca descobrir as verdades essenciais das coisas. O conhecimento era assim o conhecimento do próprio homem, mas sempre ressaltando o homem não enquanto corpo, mas enquanto alma. O conhecimento que continha na alma era a essência daquilo que existia no mundo sensível, assim em Platão também a técnica e o mundo sensível era secundário. Eu reconheço um cavalo, porque tenho a idéia perfeita de um cavalo em minha alma, isto significa, que a alma perfeita já teve acesso a perfeição da idéia de cavalo, antes da experiência física do cavalo, porém só se da conta deste conhecimento no momento em que experiência o cavalo. Mas esta experiência seria sempre só passageira se a forma imutável do cavalo não fosse reconhecida pela alma. A alma humana enquanto perfeita participa do mundo perfeito das idéias, porém este formalismo só é reconhecível na experiência sensível.
            Também o conhecimento tinha fins morais, isto é, levar o homem a bondade e a felicidade. Assim a forma de conhecimento não era a pesquisa, e sim a contemplação, que faria o homem dar-se conta das verdades que sempre já possuía e que levavam-no a discernir melhor dentre as aparências de verdades e as verdades. A obtenção do autoconhecimento  era um caminho árduo e metódico.
            Referente ao mundo material o homem pode ter somente a doxa (opinião) e téchne (técnica), que permitia a sobrevivência do homem, ao passo que referente ao mundo das idéias, ou verdadeiro conhecimento filosófico o homem pode ter a épisthéme (verdadeiro conhecimento).
            Platão não defendia que todas pessoas tivessem igual acesso a razão, apesar de todos terem a alma perfeita, porém nem todos chegavam a contemplação absoluta do mundo das idéias.

3. O homem de alma imortal e perfeita, e corpo mortal


            O homem para Platão era dividido em corpo e alma. O corpo era a matéria e a alma era o imaterial e o divino que o homem possuía. Ao passo que o corpo sempre está em constante mudança de aparência, forma... a alma não muda nunca, a partir do momento em que nascemos temos a alma perfeito, porem não sabemos. A verdades essenciais estão escritas na alma eternamente, porém ao nascermos esquecemos, pois a alma é aprisionada no corpo.
            Platão acreditava que a alma depois da morte reencarnava em outro corpo, mas a alma que se ocupava com a filosofia e com Bem esta era privilegiada ao morrer, a ela era concedida o privilégio de passar o resto de seus tempos em companhia dos deuses.
            O conhecimento da alma é que dá sentido à vida. Tudo foi criado pelo Demiurgo (seu criador), um divino artesão que criou o mundo real e sua aparência.
            Ação do homem se restringe ao mundo material, no mundo das idéias o homem não pode transformar nada. Porque se é perfeito não pode ser mais perfeito.

4. Para aprofundar: teoria do conhecimento


            O conhecimento referente as coisas visíveis inicia com as imagens, as aparências, os reflexos da água, as sombras, são as formas mais rudimentares do conhecimento, fulgazes e falsas. O segundo nível já não é mais a aparência, mas os próprios objetos destas imagens, como animais, plantas... Destes objetos podemos ter opiniões, ainda não sabemos nada alem do sentidos, podemos ter tato, visão, audição, olfato e paladar. Mas ainda não pode ser considerado um conhecimento propriamente dito.
            O terceiro nível já se encontra no conhecimento inteligível. Que sem auxilio de imagem qualquer chega a um principio. Neste nível encontram-se as figuras geométricas, a aritmética, os ângulos, os números pares e impares...é o conhecimento matemático. Aqui existe um conhecimento que independente do sensível, alcança rigor lógico. Na matemática a alma é levada a sair do mundo sensível para o conceitual. É um nível de conhecimento que não encontra mais ressonância no mundo físico e prepara a alma para a dialética. No Quarto estágio a alma elabora hipóteses que servem de trampolim à princípios universais. Ela dialeticamente só se apega a suas próprias idéias para chegar a conclusão. Assim o homem quando se torna dialético compreende a realidade de todas as coisas. É assim que o homem através do diálogo penetra na verdade de todas as coisas.
            A realidade das coisas está nas idéias, o físico é mera aparência. O verdadeiro conhecimento das coisas não pode ser mutável, isto significa que a verdade não pode ser vista com os sentidos, porque para os sentidos todas as coisas mudam. Logo a verdade deve ser algo acessível somente através da razão, pois é na razão que está a possibilidade de se pensar a imutabilidade das coisas, sendo assim, a realidade imutável é ideal.

5. A política


            “...os males não cessarão pra os humanos antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder, ou antes que os chefes das cidades, por uma divina graça, ponham-se a filosofar verdadeiramente”. (Platão).
            Esta afirmação de Platão deve ser compreendida pelo baseado na teria do conhecimento e lembrando que o conhecimento para Platão tem fins morais. Mas resta-nos ressaltar outro aspecto. Platão acreditava que existiam três espécies de virtude baseada na alma. A primeira virtude era a da sabedoria, deveriam se a cabeça do Estado, ou seja, governante, pois possuem caráter de ouro e utilizam a razão. A segunda espécie de virtude é a coragem, deveriam se o peito do estado, isto é, os soldados, pois sua alma de prata é imbuída de vontade. E por fim, a virtude da temperança, que deveriam ser o baixo-ventre do estado ou os trabalhadores, pois sua alma de bronze orienta-se pelo desejo das coisas sensíveis.

Atividades

1-       Explique os graus do conhecimento de Platão (mundo sensível e mundo das idéias) através da alegoria da caverna.
2-       Qual o papel da educação para Platão?
3-       Por que podemos dizer que a filosofia platônica tinha fins políticos? (Justifique sua resposta com argumento históricos e filosóficos).
4-       Justifique o que Platão entende com conhecimento filosófico, segundo a seguinte frase: “... os males não cessarão para os humanos antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder, ou antes que os chefes das cidades, por divina graça, ponham-se a filosofar verdadeiramente”(Platão)
5-       Segundo Platão existem dois tipos de conhecimento: o verdadeiro (episteme) e as meras opiniões (doxa) estes são os matemáticos e filosóficos, e a diferença entre eles são a respeito do método e objetos.

O MITO DA CAVERNA - Platão


Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas a frente, não podendo girar a cabaça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior.
A luz que ali entra provém de uma imensa a alta fogueira externa. Entre ele e os prisioneiros – no exterior, portanto – há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas.
Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela os prisioneiros enxergam na parede no fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam.
Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginavam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna.
Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria.
Num primeiro momento ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda a sua vida, não vira senão sombra de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade.
Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los.
Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna rumo à realidade.
O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense)? Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro.

Questão 
Segundo Werner Jaeger quando Platão utiliza a Alegoria do Sol: "O que ele procura demonstrar é a realdiade objetiva do Bem, independente da consciência do ser humano" (871). Explique a partir da citação como funciona a noção de bem independente da consciência humana?

TRATADODA CORREÇÃO DO INTELECTO - Spinoza

[1] Desde que a experiência me ensinou ser vão e fútil tudo o que costuma acontecer
na vida cotidiana, e tendo eu visto que todas as coisas de que me arreceava ou que temia não
continham em si nada de bom nem de mau senão enqua nto o ânimo se deixava abalar por
elas, resolvi, enfim, indagar se existia algo que fosse o bem verdadeiro e capaz de
comunicar - se, e pelo qual unicamente, rejeitado tudo o mais, o ânimo fosse afe tado; mais
ainda, se existia algo que, achado e adquirido, me desse para sempre o gozo de uma alegria
contínua e suprema. [2] Digo que  resolvi enfim  porque à primeira vista parecia insensato
querer deixar uma coisa certa por outra então incerta. De fato, via as comodidades que se
adquirem pela honra e pelas riquezas, e que precisava abster-me de procurá- las, se
tencionasse empenhar - me seriamente nessa nova pesquisa. Verificava, assim, que se, por
acaso, a suprema felicidade consistisse naquelas coisas, iria privar -me delas; se, porém, nelas
não se encontrasse e sóa elas me dedicasse, também careceria da mesma felicidade. [3]
Ponderava, portanto, interiormente se não seria possível chegar ao novo modo de vida, ou
pelo menos à certeza a seu respeito, sem mudar a ordem e a conduta comum de minha
existência, o que te ntei muitas vezes, mas em vão. Com efeito, as coisas que ocorrem mais na
vida e são tidas pelos homens como o supremo bem resumem -se, ao que se pode depreender
de suas obras, nestas três: as riquezas, as honras e a concupiscência. Por elas a mente se vê
tão distraída que de modo algum poderá pensar em qualquer outro bem. [4] Realmente, no
que tange à concupiscência, o espírito fica por ela de tal maneira possuído como se
repousasse num bem, tornando -se de todo impossi bilitado de pensar em outra coisa; mas ,
após a sua fruição, segue-se a maior das tristezas, a qual, se não suspende a mente, pelo
menos a perturba e a embota. Também procurando as honras e a riqueza, não pouco a mente
se distrai, mormente quando são buscadas apenas por si mesmas, porque entã o serão tidas
como o sumo bem. [5] Pela honra, porém, muito mais ainda fica distraída a mente, pois
sempre se supõe ser um bem por si e como que o fim último, ao qual tudo se dirige. Além do
mais, nestas últimas coisas não aparece, como na concupiscência,  o arrependimento. Pelo
contrário, quanto mais qual quer delas se possuir, mais aumentará a alegria e
consequentemente sempre mais somos incitados a aumentá - las. Se, porém, nos virmos
frustrados alguma vez nessa esperança, surge uma extrema tristeza. Por úl timo, a honra
representa um grande impedimento pelo fato de precisarmos, para consegui -la, adaptar a
nossa vida à opinião dos outros, a saber, fugindo do que os homens em geral fogem e
buscando o que vulgarmente procuram.
[6] Como, pois, visse que tudo isso obstava a que me dedicasse ao novo modo de vida,
e, mais ainda, tanto se lhe opunha que eu devia necessariamente abster -me de uma coisa ou
de outra, achava -me forçado a perguntar o que me seria mais útil; porque, como disse,
parecia - me querer deixar um bem certo por um incerto. Mas, depois de me haver dedicado
um tanto a esse ponto, achei em primeiro lugar que se, abandonando tudo, me entregasse ao
novo empreendimento, deixaria um bem por sua natureza incerto, como se depreende
claramente do que foi dito, por um também incerto, ainda que não por sua natureza (pois
buscava um bem fixo), mas apenas quanto à sua obtenção. [7] Entre tanto, mediante uma
assídua meditação, cheguei a verificar que então, se pudesse delibe rar profundamente,
deixaria males certos  por um bem certo. Via -me, com efeito, correr um gravíssimo perigo e
obrigar -me a buscar com todas as forças um remédio, embora incerto; como um doente que
sofre de uma enfermidade letal, prevendo a morte certa se não empregar determinado
remédio, sente -se  na contingência de procurá-lo, ainda que incerto, com todas as forças, pois
que nele está sua única esperança. Em verdade, tudo aquilo que o vulgo segue não só não traz
nenhum remédio para a conservação de nosso ser mas até o impede e freqüentemente é caus a
de morte para aqueles que o possuem e sempre causa de perecimento para os que são
possuídos por isso.
[8] Existem, de fato, muitos exemplos dos que, por causa de suas riquezas, sofre ram a
perseguição até a morte, e também daqueles que, para juntar te souros, se expuse ram a tantos
perigos que afinal pagaram com a vida a pena de sua tolice. Nem menos numerosos são os
exemplos dos que, para conseguir a honra ou defendê-la, muitíssimo sofreram. Por último, há
inúmeros exemplos dos que aceleraram a sua mor te pelo excesso de concupiscência. [9]
Esses males pareciam provir de que toda a felicidade ou infelicidade consiste somente numa
coisa, a saber, na qualidade do objeto ao qual aderimos pelo amor. Com efeito, nunca nascem
brigas pelo que não se ama, nem  haverá tristeza se perece, nem inveja se é possuído por
outro, nem temor nem ódio e, para dizer tudo em uma só palavra, nenhuma comoção da alma;
coisas que acontecem no amor do que pode perecer, como tudo isso de que acabamos de
falar. [10] Mas o amor de u ma coisa eterna e infinita alimenta a alma de pura alegria, sem
qualquer tristeza, o que se deve desejar bastante e procurar com todas as forças. Entretanto,
não é sem razão que usei destes termos: se pudesse seriamente deliberar.  Porque, ainda que
percebesse mentalmente essas coisas com bastante clareza, nem por isso podia desfazer -me
de toda avareza, concupis cência e glória.
[11] Apenas via que, enquanto a mente se ocupava com esses pensamentos, afasta va- se
daqueles e refletia seriamente no novo empree ndimento, o que me servia de grande consolo,
pois percebia que aqueles males não eram de tal espécie que não cedessem aos remédios. E
embora no começo esses intervalos fossem raros e durassem por muito pouco tempo,
tornavam-se mais freqüentes e mais longosdepois que o verdadeiro bem mais e mais me
ficou sendo conhecido; principalmente depois que vi a aquisição de dinheiro ou a
concupiscência e a glória só prejudicarem enquanto são procuradas por si e não como meios
para as outras coisas; se, porém, são bus cadas como meios, terão então uma medida e não
prejudicarão de modo algum, até, pelo contrário, muito contribuirão para o fim pelo qual são
procuradas, como mostraremos no devido lugar.
[12] Aqui só direi breves palavras sobre o que entendo por verdadeirobem e,
juntamente, o que é o sumo bem. Para compreender isso corretamente, note - se que o bem  e o
mal  não se dizem senão relativamente, de maneira que uma mesma coisa pode ser chamada
boa ou má conforme as diversas relações, assim como se dá com  perfeito  ou  imperfeito.
Nada, com efeito, considerado em sua natureza, será dito perfeito ou imperfeito;
principalmente depois de sabermos que tudo o que é feito acontece segundo uma ordem
eterna e conforme leis certas da Natureza. [13] Como, porém, a fraqueza huma na não alcança
aquela ordem pelo seu conhecimento, e, entretanto, o homem concebe al guma natureza
humana muito mais firme que a sua, vendo, ao mesmo tempo, que nada obsta a que adquira
tal natureza, sente -se incitado a procurar os meios que o conduzam a tal perfeição: e tudo o
que pode ser meio para chegar a isso chama -se verdadeiro bem. O sumo bem, contudo, é
chegar ao ponto de gozar com outros indivíduos, se possível, dessa natureza. Qual, porém,
seja ela mostraremos em seu lugar, a saber, o conheci men to da união que a mente tem com
toda a Natureza.
[14] Este é, portanto, o fim ao qual tendo: adquirir uma natureza assim e
esforçar -me por que muitos a adquiram comi go; isto é, pertence também à minha felicidade
fazer com que muitos outros entendam o m esmo que eu, a fim de que o intelecto deles e seu
apetite convenham totalmente com o meu intelecto e o meu apetite. E para que isso
aconteça, é preciso entender tanto da Natureza quanto baste para adquirir semelhante
natureza; a seguir, formar uma tal so ciedade como é desejável para que o maior número
chegue a isso do modo mais fácil e seguro. [15] Cumpre, além disso, dedicar -nos à Filosofia
Moral, bem como à Doutrina da Educação dos meninos; e porque a saúde não deixa de ser
um meio importante para conseguir esse fim, é mister estudar todas as partes da Medicina; e,
ainda, como pela arte se tornam fáceis muitas coisas que são difíceis, podendo nós por ela
ganhar muito tempo e muita comodidade da vida, não se deve desprezar de modo algum a
Mecânica.[16] Antes de tudo, porém, deve excogitar -se o modo de curar o intelecto e
purificá -lo quanto possível desde o começo, a fim de que entenda tudo felizmente
sem erro e da melhor maneira. Donde se poderá já deduzir que quero encaminhar todas as ciências
para um só fim e escopo, a saber, chegar à suma perfeição humana de que falamos; e assim
tudo o que nas ciências não nos leva a nosso fim precisa ser rejeitado como inútil; isto é, para
usar uma só palavra, todas as nossas ações, assim como os pensamentos, hão de ser dirigidos
para esse fim. [17] Mas visto que é necessário viver enquanto cuidamos de o conseguir e nos
esforçamos por colocar o intelecto no caminho reto, somos obrigados antes de tudo a supor
como boas algumas regras de vida, a saber:

I.  Falar ao alcance do vulgo e fazer tudo o que não traz nenhum impedimento
para atingirmos o nosso escopo. Com efeito, disso podemos tirar não pequeno proveito, con -tanto que nos adaptemos, na medida do possível, à sua capacidade; acresce que desse modo
oferecerão ouvidos prontos para a verdade.
II.   Dos prazeres somente gozar quanto basta para a consecução da saúde.
III.  Por último, procurar o dinheiro ou outra coisa qualquer só enquanto chega para
o sustento da vida e da saúde, imitando os costumes da soc iedade que não se opõem a nosso
fim.
[18] Posto isso,dedicar - me -ei à primeira coisa que se deve fazer, ou seja, corri gir o
intelecto, tornando -o apto a compreender as coisas do modo que é preciso a fim de conseguir
o nosso intento. Para tanto, exige a ordem, que naturalmente temos, que aqui resuma todos os
modos de perceber usados por mim até agora para afirmar ou negar al guma coisa sem
dúvida, com o intuito de escolher o melhor de todos e começar ao mesmo tempo a conhecer
as minhas forças e a minha  natureza, a qual desejo aperfeiçoar.
[19] Se olho com cuidado, podem reduzir - se todos a quatro principais.
I.  Existe uma percepção que temos por ouvir ou outro qualquer sinal que
chamam “convencional” (ad placitum:  arbitrário).
II.   Existe uma percepção  originária da experiência vaga, isto é, da experiência
não determinada pelo intelecto, só se dizendo tal porque ocorre por acaso e não vemos
nenhuma outra experiência que a contradiga, e por isso fica como irrecusável entre nós.
III.  Existe uma percepçãona qual a essência de uma coisa é tirada de outra, mas
não adequadamente, o que acontece quando induzimos de algum efeito a causa ou quando
se conclui de um universal que sempre é acompanhado de certa propriedade.
IV.  Por último, existe uma percepção e m que a coisa é percebida por sua essência
unicamente ou por sua causa próxima.

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